22 de set. de 2011

Mastigar-se

Tenho fome da palavra
Da que fica e da que sai
Tenho fome do papel
Do que chega e do que vai
Tenho fome dessas letras,
dessa tinta e desses selos
Tenho fome dos meus versos
Escrevo-os para comê-los
Cada pé, cada rima
Cada espaço, vou engolir
Na esperança de, quem sabe,
Conseguir me digerir

25 de ago. de 2011

Dos dias mais coloridos

Acordei assustado, com o pescoço suado e a mão meio fria. Alguém meteu as solas dos pés nas portas que estavam fechadas. Alguém fez isso por mim. Mas quem? De onde veio essa sola, esses pés, essa força? O corredor interminável e escuro, agora tem saídas arejadas e agradáveis, onde o sol bate e aquece as relações. A infinita linha de trem solitária transformou-se num ferrorama colorido e habitado por casas, botequins, fazendas e circos. Bonecos sorridentes que andam de um lado para o outro, cantando e dançando. Tantos abraços, tantos afetos, desconfio. Quem foi que meteu o pé nessa porta, hein? Por favor, identifique-se e banque sua responsabilidade sobre o que se sucede.

15 de jul. de 2011

À Amada

O amor é clichê. Amar é assinar um atestado de cafonice da pior espécie, é colocar-se entre cantores sertanejos chorosos e pagodeiros sorridentes, é mergulhar num mar de expressões e sentimentos exageradamente exagerados. Amar é matar e morrer por alguém, é protagonizar dezenas de novelas mexicanas e ser mais mela-cueca que Roberto Carlos e Reginaldo Rossi juntos. Amar é ligar pra dar bom dia, boa tarde e ligar três vezes pra dar boa noite; é achar o ser amado mais bonito que qualquer modelo sarado(a) mesmo quando ele acorda todo descabelado de ressaca. Amar é identificar-se com o ultra romântico romantismo dos cartões de papelaria e trocar emoticons no MSN durante infinitas madrugadas. Amar é desenhar, pintar e escrever declarações em qualquer pedaço de papel ou janela do computador que o outro deixar aberta. Amar é ser mais brega que o Falcão; é dançar feito uma minhoca eletrocutada antes, durante e depois do banho. Amar é inventar apelidinhos fofuchos e dizer que está sentindo uma saudade do tamanho "daqui até o Japão quatro vezes ida e volta sem parar pra beber água e descansar" depois de passar dois dias longe do ser amado. Amar é estar em extinção, é estar fora de moda e tentar encontrar a definição do amor em algum amontoado de palavras sinceras e apaixonadas. Amar é repetir as frases e expressões da moda. Por isso, eu afirmo:

- Sou o cara mais feliz da cidade.

27 de jun. de 2011

Nota de um artista frustrado

Eu queria conseguir atirar minha cabeça pela janela sem precisar atirar o restante do corpo junto com ela. Talvez, assim, enquanto ela quicasse e rolasse pelo asfalto encharcado dessa chuva que não para de chover, eu conseguisse descansar verdadeiramente minhas pernas, costas e braços. Talvez até o peito desse uma acalmada se desconectado da razão e se, desprovido de quatro dos meus cinco sentidos, eu pudesse não ouvir os assovios ensurdecedores do vento revolto que verborrage lá fora. Eu precisaria disso ou de um contrato de trabalho pra ser feliz um dia.

7 de jun. de 2011

O bicho

Dói
E já é sabido de outras dores
Tão doídas quanto
Que não deveria tanto doer assim

Mas dói
E rasga a carne, engole o músculo
Congela o peito
D'um jeito tão, enfim

Ao menos para mim
Se perguntarem do amor
Direi: amar é assim
Gostar de sentir dor

31 de mai. de 2011

Quase junho

Sol ameno de outono, sol gostoso!
A ti, que clareia sem queimar,
Que aquece sem molhar,
Que brilha sem cegar..
Camuflado entre uma brisa e outra.

A ti, dedico estes singelos versos juvenis
E agradeço imensamente
Pelas manhãs compartilhadas nos jardins,
Quando corastes minha face com cuidado e carinho.
Espero, amanhã, encontrar-te no caminho

24 de mai. de 2011

Nova história

Esse texto começa no décimo terceiro minuto do dia 24 de maio de 2011. A última vez que escrevi um texto desses que a gente escreve pra desafogar a alma ou pra esfriar a cabeça e não desses que a gente escreve porque algum professor metido a general nos obriga a escrever foi no dia 24 de abril. Sim, faz um mês que não escrevo. E isso revela muita coisa sobre mim. Revela, por exemplo, que não tenho tempo, revela que tenho corrido de um lado para o outro, revela que tenho comido mal, dormido mal e bebido muito mais cerveja do que devia. Mas revela, principalmente, que apesar de toda essa bagunça pós-moderna, eu vou bem. É, eu vou muito bem. Se a alma não grita até a garganta rasgar e a cabeça não explode em labaredas existencialistas, quer dizer que o coração anda sambando de um lado para o outro, cantarolando bem baixinho: "É a vida, é bonita e é bonita". A vida é uma guria branca como um floco de neve, discreta como uma princesa, engraçada como um palhaço, delicada como uma flor e forte como um tornado. Ela é dona de um par de olhos profundamente lindos que podem piscar um logo depois do outro de forma muito rápida e precisa, me fazendo crer que, na verdade, são duas armas de alto calibre. Ela poderia e daria conta de ser uma heroína de HQ. Consigo imaginá-la pulando de prédio em prédio, salvando pessoas, controlando incêndios e saindo de mansinho como se não tivesse feito nada, escondida atrás do seu par de óculos vermelhos e da sua cara de mocinha frágil e tímida. Todo super-herói é assim. Ela é assim, pelo menos pra mim, e eu vou bem. Ah, eu vou muito bem. Obrigado.

24 de abr. de 2011

Bons ares

Ah, Botucatu
Se eu te deixo
É porque tu
Me deixa ir
E eu me largo
Nesse mundo
Doce amargo
Que confundo
Com a saudade
Que me dá
De você que fica aqui
Enquanto eu vôo por aí.
Mas eu volto,
Eu sempre volto,
Pra você me abraçar,
Me beijar e me ninar.
Porque tu, Botucatu,
Sempre será o meu lar.

19 de abr. de 2011

Encontro

Dos olhares distantes,
fez-se a proximidade
Das peles rubras,
fez-se a intimidade
Das incertezas,
fez-se o abraço
Dos medos,
fez-se o laço
De dois,
fez-se um
Desse um,
faz-se o todo
que se quiser fazer.

18 de abr. de 2011

Sobre tamanhos e fios

Eu poderia começar esse texto dizendo que ela era uma menina como todas as outras, tentando se libertar das amarras femininas e das utopias feministas. Mas não era, nunca foi. Desde pequena cuspia personalidade pelos olhos. Mas as pessoas não entendiam. Elas nunca entendem. Nem sei se ela queria ser entendida, mas. Antes de aprender a falar, ela berrava - sem lágrimas. Berrava até ficar vermelha. Berrava até assustar quem estivesse por perto. E depois ria, ria gostoso, como se estivesse dizendo: Ficaram com medo, né? Até os treze anos de idade, gostava de balé, mas, depois que menstruou, passou a achar tudo aquilo careta demais. Ganhou um violão. Aprendeu a tocar algumas notas e pôs-se a escrever refrões manjados e revoltados. Odiava as garotas por serem frescas, os garotos por serem infantis e seu cabelo por ser volumoso. Achava tudo um saco e as pessoas não entendiam. Elas nunca entendem. Em meio a tantas canções, tantas reflexões e tanta babaquice adolescente da qual ela fazia parte mas não queria, tentou se entender. Também não conseguiu. Pintou o cabelo, fez tatuagem e buscou refúgio sexual no corpo alvo e esguio de um amigo gay que ela julgava ser "a cara do Axl Rose". Escreveu. Contos, poemas e bilhetes. Desejou ser vampira, notívaga e bebeu litros de vinho até entender que também não gostava tanto assim de fazer parte da turminha que cantarolava os sucessos da Legião Urbana pelas ruas e praças. Jogou a coleção de "all stars" pela janela, comprou uns saltos e muitas meias. Mudou de turma, mudou de tamanho, mudou de cor. Afinal de contas, ela já tinha dezessete anos. Não era mais criança. Quebrou a cara, o salto e chorou no colo da mãe. Não sabia o que fazer. Não sabia quem era, o que queria e, muito menos, como faria para conseguir. As pessoas não entendiam. Elas nunca. Fez três anos de pré-vestibular e decidiu, enfim, por psicologia (Óh!). Gostou dos três primeiros meses de aula e de um professor com quem transou enlouquecidamente no estacionamento se um supermercado. Cansou. Trancou a faculdade e foi trabalhar na produtora de cinema de uma tia. Conheceu um ator. Atores são bonitos, são fodidos. Tem charme de mais e dinheiro de menos. Ela gostou. Ele ainda não sabia. Ela era insegura e se escondia atrás dos cabelos toda vez que falava com ele. Comentava sobre o tal com as amigas e elas não entendiam, elas nunca entendem. Um ator? Não combinava com ela. Mas isso era o que os outros pensavam, ela sabia que combinava e queria que combinasse cada vez mais. Resolveu assisti-lo no teatro. Ele não sabia que ela ia. Ela não sabia nem se ia. Foi. Ele era ótimo, tinha a bunda linda e uma barba por fazer que. Ela queria. Não sabia como agirr. Foi embora sem falar com ele e passou a noite toda ouvindo músicas no escuro. Chorou muito, dormiu pouco. Ela sabia que ia encontrá-lo na produtora. Saiu de casa preocupada, parou numa banca de revistas para comprar um cigarro e se deparou com a solução. Uma gigantesca capa de revista. Correu para o salão de beleza e disse: "Assim, eu quero assim." A cabelereira assustada tentou concencê-la que. Não conseguiu. Cortou o cabelo. Cortou. Curtinho. Cortou curtinho como o da atriz francesa da capa da revista. Revelou o rosto, o pescoço, revelou-se. Saiu correndo do salão como uma criança que corre ansiosa para mostrar os rabiscos que fez. Chegou atrasada e descabelada na produtora. Ele derrubou o copo de café. Ela disse: "Te vi ontem." E olhou para a bunda dele, que riu. Ela gostou. Os homens olhavam, as mulheres comentavam e ela ria. Exibia o pescoço como uma joia. Nunca havia sido tão livre e tão forte. As pessoas que nunca tinham entendido passaram a entender. Ela se libertou dos cabelos que a aprisionaram durante toda a vida. Era leve. Dormiu e acordou com o ator bonito e fodido até entender que ele seria fodido pra sempre e que isso não combinava com a nova personalidade dela. Caiu fora. Está voando por aí. Sem máscaras, sem cabelos, sem medos. Escancarou a janela da vida.

16 de abr. de 2011

Zé Ninguém

Era um garoto com cara de homem (ou um homem com cara de garoto). Alto, magro, a barba volumosa camuflava seus traços finos. Caminhava pela rodoviária de São Paulo como se estivesse em casa, mas ao mesmo tempo, louco para partir. Tomou um café, comprou umas revistas e sentou-se no chão - ao lado de um banco vazio. A impressão que me dava era que esse cara poderia sair dali com sua enorme mochila e ir para qualquer canto do mundo. Se alguém me dissesse que ele estava esperando um ônibus para passar a páscoa com a família no interior de Minas, eu acreditaria; e se me dissessem que não era isso, mas que ele pegaria um ônibus até Buenos Aires e de lá seguiria viagem para a Patagônia ou para a América Central, eu não duvidaria. Se me dissessem que esse maluco estava indo para a Índia ou para o Marrocos, eu diria: Sim, claro! Acho até que se ele mesmo me abordasse agora dizendo estar indo para Marte ou para a Lua, eu não teria certeza absoluta que não e nem poria minha mão no fogo por isso. Ali, do chão, ele observava, usando uma revista aberta como esconderijo, todos que passavam apressados. Vez ou outra sacava uma caneta do bolso e rabiscava um pequeno pedaço de papel. Não sei se escrevia ou desenhava. Não era possível identificar. Ele escondia a as mãos atrás da revista como se estivesse fazendo algo proibido. Versos obscenos, talvez. Ele era obsceno. E por trás daquele olhar malandro de quem come pão com ovo com a mesma naturalidade com a qual degusta uma lagosta ou um caviar, ele fitava os traseiros femininos que corriam para lá e para cá. Sorria sozinho e me lembrava, a todo instante, o jovem Kerouac que atravessou a América em caminhões de carga e vagões abandonados, atrás de cerveja, mulheres e sua própria liberdade. Eu não sei para onde esse cara vai, mas ele parece não estar atrás de ninguém, a não ser de si mesmo.

8 de abr. de 2011

Bonita

Eu te conheci, então. Você chegou; com o mesmo olhar que fez despertar em mim esse afeto desmedido e com o qual eu esperava que você chegasse há tanto tempo. Agora, você está aqui. E os meus olhos já não te procuram mais em todas as esquinas da cidade. Eu sei onde encontrá-la. Aqui, bem aqui. E todo meu ar se liberta em suspiros gargalhados e canções afetadas quando minha pele, ao lado da tua, sorri. E eu rio. E você ri. E a felicidade não se importa em ficar..

1 de abr. de 2011

O casamento

Acordou. O quarto estava escuro. Ele ainda não havia decorado o caminho até a porta. Moravam ali havia pouco tempo. Esbarrou no criado-mudo, na cômoda e no guarda-roupas. Quando, enfim, alcançou o interruptor, ouviu-a dizer:

- Além de fazer barulho, você vai acender essa porra?

Não acendeu a luz. Abriu a porta com cuidado e seguiu pelo corredor. As luzes do prédio vizinho permitiram que chegasse à cozinha sem esbarrar em mais nada. Abriu a geladeira e deixou-se aquecer por suas lâmpadas, enquanto sentia frio nos pés descalços. Apanhou uma garrafa d'água qualquer e, como se estivesse no deserto, esvaziou-a em sua boca em poucos segundos. Guardou a garrafa vazia na geladeira, que fechou em seguida, e pensou:

- Agora eu vou ter que voltar pr'aquela porra de cama e deitar ao lado daquela porra de mulher.

Suspirou. E foi. Tomando cuidado para não fazer barulho.

21 de mar. de 2011

Curativos

Eu não sou poesia, sou carne. Poemas não choram, não sangram, não doem. Eu sou qualquer coisa de carne vermelha e cheia de vasos e veias e sangue quente a perpassar minhas próprias camadas e fases. Sorrio por fora e morro por dentro. Sou hemorrágico. Se tropeço em minhas próprias pernas e finjo que sambo pra disfarçar, não é por vergonha do tombo, mas por medo da dor. Medo da cara amassada no chão, dos dentes quebrados, do sangue alcoólico escorrendo no canto da boca. E a menina? Tem medo de quê? Se ficar em pé assim, rindo dos outros, é tão confortável...

20 de mar. de 2011

Com amor, às seis da manhã

Definitivamente, eu me cansei de estar aqui, estar assim, viver estando sem ser verdadeiramente nada. Quero uma estrada sem fim, sem espelhos e sem apelos. Quero a página branca, as novidades. Estou farto dessas antiguidades presentes e desses passados amassados metidos à futuro. Cansei de mim e de vocês (que sabem quem são). Ah, vão ver se eu estou na esquina! E se eu não estiver, rezem para que as minhas estradas sejam pouco esburacadas.

10 de mar. de 2011

Ilusão

O meu bloco não desfila,
Não batuca e não tem cor
Tá na rua, sem querer,
Fantasiando o dissabor
Mas em volta, tudo bem,
Tudo água, tudo som
Como se as máscaras estivessem
Espalhadas pelo chão
E o peito gritasse a dor,
O peso do coração
Na sujeira colorida
Dos confetes e das paixões
Momentâneas, despercebidas
Vou levando, vão levando
Me levem pra algum canto
De preferência pra bem longe
Do meu próprio falso encanto
Onde alguém, menos feliz
Atreva-se a berrar:
Se o que sobra é o que somos
E a vida não é carnaval
Por que aceitamos tanto viver
E tão pouco carnavalizar?

28 de fev. de 2011

Eu encontrei Cazuza ontem

E ele dizia:

"Eu fiz tudo e não sabia
o que podia acontecer.
Quantas vidas, nessa vida,
eu iria entorpecer!
De amor e poesia,
na euforia de sofrer.
E, assim, era se como eu
tivesse vindo pra dizer:
Tudo isso aqui é bom,
mas é melhor tu não fazer.
Porque bom mesmo é respirar
e vocês fazem sem perceber.
Dê valor pra todo esse ar
que é o combustível do teu ser!"

Acordei angustiado,
lavei meu rosto amassado
e fui preparar meu Toddy.

23 de fev. de 2011

Alvorada

Tenho sonhado com o seu sorriso batendo asas por aí, voando alto e distraído. Abraçando as borboletas e refletindo o sol. Essa imagem reina soberana em meus pensamentos toda vez que fecho os olhos. O sorriso, teu, passeando longe de mim. E, de certa forma, isso me faz sorrir também. Vai que a vida é só sonhar..

14 de fev. de 2011

Da distância

Foi ser feliz,
nem me esperou.
Quebrou o combinado.
E agora, lá de dentro,
da sua própria plenitude,
grita: vem!
Como se tudo fosse,
assim, tão simples
e hipócrita como
um grito embriagado
e ecoado de incentivo.
Não foge!

12 de fev. de 2011

Dor no peito

Eu te perdi, eu me perdi, eu perco tudo desde que eu me conheço por gente. Perco coisas, pessoas, oportunidades. Faz parte da minha natureza. Comecei perdendo meu pai, antes de completar dois anos de idade. De lá pra cá, a minha vida tem sido uma sucessão de derrotas marcantes. Tenho inveja desses vencedores que vivem a sorrir, que ganham em tudo, bem-sucedidos, bem-amados, realizados. De todos os sonhos que eu carregava no peito, o último acaba de se afogar em lágrimas dolorosas e pesadas que choveram sobre mim. Hoje eu acordei, abri a janela e o sol quase me cegou. Até ele, o grande sol, perdeu a paciência comigo. Ele, que ilumina a todos, todos os dias, hoje me queimou os olhos sem piedade como nunca havia feito antes. Eu não sei para onde ir, por que ir, como ir. É possível caminhar sem sonhos? É possível sonhar sozinho?

9 de fev. de 2011

Bússola

Engolir pedras sem fazer careta é uma tarefa dolorosa dessas que a gente cumpre por não ter outra opção - ou por medo de atirá-las em quem não merece recebê-las. Ouvi uma amiga dizer que um pássaro sem asas tem de acostumar-se a viver entre as galinhas e limitar-se a sonhar, ou então, pegar um avião. Dias vazios, noites quentes e confusas. Sentimentos novos, vontades antigas. Novas saudades, velhos medos. A inquietação, se fosse ativa, chamaria-se só ação. É o desejo de apanhar um mapa e amassá-lo até que duas cidades distantes se aproximem, colem uma na outra e o meu sorriso volte a ter companhia, que me faz desnorteado assim.

1 de fev. de 2011

Meu brinde

Descobrir o quanto se quer segurar uma mão depois de soltá-la é uma pena dessas duras de pagar. Tenho andado só. Acompanhado e só, lançando perguntas ao vento, cantarolando frases de efeito, buscando em qualquer silhueta da natureza algo que se pareça com os olhares sorridentes que você me deu. Rabisquei uma dúzia de guardanapos tentando desenhar as covinhas produzidas pela perfeição das formas do seu rosto a sorrir. Perdi meu tempo e os guardanapos. Há, em cada passo que eu dou nessa cidade, algum pedaço de você que faz, assim, de uma hora para outra, seu perfume invadir meu nariz, deslizar sobre o meu corpo e dançar embriagado em volta do meu coração. Já dei tempo ao tempo, mas a música não para e sinto vontades súbitas de buscá-la pra dançar mais um pouco comigo. Onde você está?

25 de jan. de 2011

Ébano

O gingado da mulata incendeia
Tanta gente quando ela sai do mar
Com sorriso inocente
De quem só quis se banhar

E o chapéu do ambulante
Cai sambando na areia,
se curvando à sereia
Que se pôs ao seu olhar

A brisa zonzeada
Vem dançando emaranhada
Pelas gotas de sal branco
Que acabaram de negrar

Ipanema, Posto 9
Brinde ao entardecer
Do terraço ou lá do morro
Coisa linda de se ver

24 de jan. de 2011

Equilíbrio

Com o mar, com o sol,
com a terra e com o céu,
com a lua e as estrelas
com os animais e com as flores,
com a natureza, esplêndida
em seu próprio acontecer,
eu aprendi que a vida é poesia.
Com as mulheres, aprendi que é prosa.

17 de jan. de 2011

Daqueles barcos

Vou juntar papel, tesoura, cola, amor, saudade.
Vou montar meu barco, carro, avião, nave, liberdade.
Vou me lançar no mar, rio, lago, vida, eternidade.
Vou navegar..

Vou sair da Guanabara
Sob os braços de Iemanjá

E eu vou lá..
Eu vou lá!
Vou buscar minha morena
Do outro lado desse mar.

E eu vou lá..
Eu vou lá!
Vou buscar minha sereia
Sob às luzes do luar.

Opacidade

Gosto tanto
Dessa vida
Em tons pastéis

Da ausência
De flúor
E plasticidade

Onde posso
Con(fundir-me)
Com a cidade

E ser discreto
Como os amantes
Nos motéis

13 de jan. de 2011

06:06

Se o sol rompesse agora as persianas da janela do meu quarto e atingisse o meu peito em cheio, fazendo-o queimar por fora como tem queimado por dentro, eu levantaria dessa cadeira pesada e sairia correndo pela cidade feito um louco desvairado apaixonado - assim, de toalha na cintura. Eu tomaria café pelado na primeira padaria e roubaria o jornal só pelo prazer de roubar e sair correndo e continuar correndo e viver correndo de um lado pro outro gritando frases e poemas de amor, de Vinícius a Rimbaud, de Shakespeare a Neruda, de Caio Fernando Abreu a John Lennon. Eu seria livre como todas as pessoas sonham ser. Todos os doutores, todos os juízes, todos os pais de família responsáveis e reprimidos pela própria repressão. E todos ririam de mim em coro e eu riria de todos cantarolando e, em meio a tantos risos, seríamos mais felizes. Mais ridículos e mais felizes.

11 de jan. de 2011

Quadros e sorrisos

É o jeito como ela sorri com a boca, com os olhos, com as pontas dos fios de cabelo, que vai me encantando, assim, bem aos pouquinhos. E tenho sido só sorrisos. Dados e recebidos. Tenho sido olhares silenciosos e abraços preguiçosos. Simples, assim, bem de mansinho. Tenho sido o que a vida, por gostar de mim, me deu. Um bem-querer novinho em folha, pr'eu sorrir e chamar de meu.

4 de jan. de 2011

Do fim dos passos

Desse jeito
Tão distante, tão estante
Móvel, imóvel, inalcansável
A gente vai se despedindo
De um jeito sorridente
Descontente, não-presente
A gente, sem querer, vai indo
Para onde não se sabe
E sem saber porquê algum
Com vontade de chegar,
Um dia, a lugar nenhum.
De onde se olha pra trás
E se vê a estrada vazia
Fazendo crer que caminhar
Assim, sem rumo,
É burrice e covardia

28 de dez. de 2010

Paisagem

E talvez eu coubesse naquele par de covinhas como eu nunca coube em outros lugares onde eu tentei morar. Talvez eles tenham sido feitos pra me acolher e pra que eu tenha, quem sabe, esse recanto amoroso, onde quem cuida de mim não se vai. E eu atravessaria o rio da minha vida assim. Deitado na rede aconchegante dos seus olhos, sentindo a brisa interiorana dos seus longos fios negros de cabelo e esperando que algum amigo cantasse alguma coisa sobre nós.