30 de jan. de 2010

A arte de acabar com a vida alheia

Escancarou a porta do apartamento dela - que como sempre estava destrancada - e parou. Estava exausto. A camisa suja de sangue e o cabelo molhado de suor. A falta de ar o impedia de pronunciar uma sílaba sequer. Ela esperou, curiosa. Ele não falava nada. Apenas estendia a palma da mão, fazendo um sinal do tipo: fique calma, eu estou bem. Caminhou na direção dela, pegou-a carinhosamente pelos ombros e indicou o sofá. Ela sentou. Continuava curiosa. Mas também não conseguia falar. Era tudo muito forte, muito assustador pra ela. Afinal de contas, o que ele estava fazendo lá?

- Eu fui assaltado.
- Onde?
- No Leblon.
- E como você veio parar aqui?
- Correndo.
- Você correu do Leblon até aqui?
- Sim.
- Mas você mora na Gávea.
- Sim.
- Cara, do Leblon até aqui deve dar uns 15 km.
- Sim.
- Por que você fez isso?
- Não sei.
- Você está bem?
- Na verdade, eu sei.
- Sabe o quê?
- Porque eu corri do Leblon até a Lapa.
- Por quê?
- Porque eu te amo.
- Como assim? Me ama?
- Sim.
- Mas a gente...
- A gente se ama.
- Não. Eu não te amo.
- Você me ama, sim.
- Desculpa, mas...
- Você ainda não descobriu, mas você me ama.
- Juro que eu não estou acreditando nisso.
- Aqueles caras.
- Que caras?
- Os dois que me assaltaram.
- O que tem eles? Eles também te amam?
- Não. Eles me fizeram ver o quanto eu te amo.
- Gente, como assim me ama? Você nunca me amou.
- Eu sempre te amei.
- Você não é normal.
- Deixa eu me explicar...
- Sou toda ouvidos.
- Eu sempre te amei. Eu juro. Eu sei que é difícil de acreditar, que parece estranho, que parece injusto com a minha mulher, mas quando aqueles caras apontaram as armas pra minha cabeça, eu só pensei em você. A imagem dela desapareceu. Eu só via você. E eu pensei que se eu morresse ali, naquele instante, a única pessoa com a qual eu estaria sendo injusto seria com você, afinal de contas, eu te amei escondido durante tanto tempo e agora chegou a hora de nós dois...
- Nós dois o quê?
- Bem, eu vim aqui pra te dizer que eu vou contar tudo pra ela.
- Tudo o quê?
- De nós.
- Como assim?
- Do nosso amor.
- Que amor, meu Deus? Quem foi que te deixou subir?
- O porteiro me conhece.
- Como? Você nunca veio aqui.
- Eu sempre venho aqui.
- Pra quê?
- Pra te ver.

Silêncio.

- Por favor, saia.
- Eu não posso.
- Pode sim.
- Você não entende.
- Eu entendo. Mas vá embora, por favor. Sua mulher está te esperando.
- Minha mulhe, agora, é você.
- Que isso? Sai de de cima de mim.
- Um dia você vai me agradecer...
- Me solta.
- Que saudades do teu cheiro.
- Me solta.

Caíram no sofá. Rolaram pelo chão até o armário. Ela pegou uma faca.. Ele não se afastou. Ela contou até três. Ele tirou a camisa. Ela contou até três. Ele tirou a calça. Ela gritou. Ele tirou os sapatos. Ela chorou. Ele tirou a cueca. Ele abraçou. Ela furou. Ele sangrou. Ela furou. Ele caiu. Ela furou. Ela chorou. Furou. Chorou. Furou. Chorou. Furou. Jogou a faca no sofá e a vida no lixo.

E eu acordei.
Carboidrato depois das sete.
Sabe como é.

7 comentários:

†† Glória †† disse...

ótimo final xD
euri

Anônimo disse...

omg O:

Lidiany Schuede disse...

Que final foi esse? : O
Eu já pensando em comentar: "Ah, o amor...!"
Tava achando uma loucura de tão lindo... e você me vem com essa! husdhuahsd' Adorei!

Lelê disse...

amor, pele, sangue. E uma pitada de ironia.

Lelê disse...

Amor, pele, sangue. E uma pitada de ironia.

Lelê disse...

Amor, pele, sangue. E uma pitada de ironia.

Lelê disse...

Amor, pele, sangue. E uma pitada de repetição.