
"Pense, meu caro, no mundo que o senhor leva dentro de si, então dê a esse pensamento o nome que quiser; pode ser lembrança da própria infância ou anseio do próprio futuro - apenas preste atenção no que surge a partir de dentro e eleve-o acima de tudo que o senhor percebe em torno. Se um acontecimento mais íntimo é digno de todo o seu amor, é nesse acontecimento que o senhor deve trabalhar de algum modo, sem perder muito tempo nem muito esforço para esclarecer sua relação aos outros homens". Com essas palavras retiradas do livro "Cartas a um jovem poeta"- e algumas outras sobre solidão e liberdade, Rainer Maria Rilke, o maior poeta em língua alemã do século XX, respondeu em 23 de dezembro de 1903, a carta que havia recebido do jovem Franz Kappus. Cito Rilke, pois sua obra e o trecho citado acima acompanharam-me durante as última semanas, em que eu, acostumado a ter respostas pingando da ponta da minha língua, mal entendia as perguntas que me eram feitas. Se existe algo que consegue realmente me desestabilizar, é não corresponder a expectativa de alguém. Durante os primeiros ensaios da peça "Um amor mamulengo", de Ariano Suassuna, que encerra o ciclo multidisciplinar em que temos trabalhado na faculdade, eu via na cara da diretora e dos companheiros, pelos quais fui aplaudido tantas outras vezes, que eu estava decepcionando. Preocupava-me muito com o que eles pensavam, com o que estariam pensando de mim como ator, como pessoa, como parceiro, afinal, conviveram comigo, diariamente, durante os últimos 18 meses e sabem o quanto gosto de acertar. Mas preocupava-me ainda mais quando olhava a minha imagem refletida no espelho e não via nela o que estava acostumado a ver. Via um jovem que eu não conhecia: abatido, preocupado, desmotivado. Há pouco mais de três anos descobri o que quero fazer para o resto de minha vida: teatro. Desde então, tenho dedicado-me a essa nobre arte. Deixei casa, família, amigos, tudo que julgo importante na vida de um homem para trás e estou aqui, matando um leão por dia, buscando um lugar ao sol. Sou do contra, sempre fui, mas as metades da vida não me interessam. Quando, depois de ter tentato por diversas vezes encontrar um personagem que eu não sabia de onde vinha, por que vinha e como vinha, eu calei diante de todos naquela sala, milhares de imagens e sons passaram pela minha cabeça. Naquele momento, as minhas certezas diluíam-se no meu medo e na minha imaturidade. Eu não sabia por onde começar. As mesmas velhas frases feitas ecoavam dentro da minha cabeça: "O que vem de fora não me interessa", "O gesto vazio não me diz nada", "O corpo sem o texto para mim é só um corpo, o texto sem o corpo para mim é uma história". E foi lendo o livro já citado e relendo a minha própria vida que descobri o quanto estava limitando-me, o quanto estava impedindo-me de encontrar, em mim mesmo, novas possibilidades. Não afogar-me era tão grande, que eu preferia criticar de fora. Era como se eu dissesse: "Não gosto dessa água mentirosa, prefiro a realista". Não era preferência, era medo. E o medo de uma acabou por fazer-me questionar se ainda sabia dar braçadas na outra. Foi então que surgiu o convite para participar de um projeto realista/naturalista: Dois perdidos numa noite suja, do Plínio Marcos. Ensaiando os perdidos pela manhã e os mamulengos à noite, percebi que mesmo tão distantes, eram próximos. Por mais que as propostas, as técnicas e o objetivo fossem divergentes, o princípio era o mesmo: contar uma história usando o corpo de um outro alguém, ou seja, fazer teatro. E ao passo que meu Tonho diminuía-se, concentrava-se, encolhía-se, calava-se, meu Cabo expandía-se cada dia mais. A tensão do quarto pequeno e sujo do drama fazia com que eu me soltasse e caminhasse leve pelo palco livre da farsa. Os trabalho paralelos, além de proporcionarem-me um enorme prazer, serviram pra mostrar que o que me interessa, me fascina e faz meu peito pulsar é o teatro sem definições, sem padrões, sem preferências, a simples arte de ser um outro alguém. Essa é, sem dúvidas, a maior lição que carrego desse ano. Mas se nos ensaios dos perdidos eu era dirigido, nos ensaios dos mamulengos era eu quem dirigia e por mais que eu percebesse a evolução da cena, a evolução da minha companheira e a minha própria evolução, eu não sabia se estava no caminho certo. Não sabia, sequer, qual era o caminho certo. Eu sabia que estava à vontade, no meu caminho, mas não sabia onde ele dava. Passaram-se dez ou doze dias e essa incerteza que já não era mais medrosa, matava-me de curiosidade. Tínhamos um ensaio com a professora de voz antes de apresentarmos o trabalho à diretora. Ela aprovou, confesso que foi um alívio parcial. E, vinte e quatro horas depois, a confirmação de que a arte se auto-responde e o alívio pleno vieram acompanhados de um abraço caloroso e de uma nota deliciosa. Valeu e vai!
5 comentários:
Nossa, quanta coisa nova por aqui! Adorei os versos rápidos, são muito divertidos, uma delícia de se ler! ;)
e quanto ao post atual, nossa hein.... Quantos pensamentos e reflexões. Fico feliz pelo final, e de verdade toda sorte do mundo com o seu trabalho, ele é lindo!
beijos
:*
jaque
Olá Alonso ... adorei o texto Divirta-se, sei que foi em novembro, mas nunca é tarde para um singelo elogio ... me lembrei de uma música acho que do Adoriran Barbosa chamada samba do Arnesto ... e olha teu espaço aqui é muito bom, belos textos, parabéns!
O palavrário me encantou também.
Troquemos figurinhas, ops! quer dizer, palavrinhas.
Fala Ator! Estou aqui escrevendo pra você não como seu amigo, seu parceiro, um integrante da quadrilha carioca de teatro, mas sim como outro ator. Na nossa vida, ou melhor, na nossa arte, temos que passar por várias provações, como diria Lima Duarte:"antes de ter a certeza que minha arte era atuar, pensei em desistir de tudo 3 vezes", e é assim que vamos construindo dentro de nós essa certeza que por muitas vezes nos falta, a certeza de que estamos em um caminho correto. Em nós não existe certo ou errado, o que pode e o que não pode, existe sim, fazer com amor e fazer por fazer. Durante minha curta trajetória, ja provei os dois lados da moeda, ja fiz por fazer e já amei o que fiz, e com toda certeza do mundo te digo, muito mais tesão senti no fazer com amor. Por isso espero que tenhamos em nossas carreiras muitos conflitos, pois só assim crescemos como pessoas e nos expandimos como artistas. Ao pensar que sabemos, estagnamos, pensando nas dificuldades, crescemos. Sucesso sempre pra vc, pois muito talento te acompanha. é nóis cabeça!!!!!!!
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